Segundo o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região é nula a dispensa por justa causa de empregado cujos créditos do cartão de vale-transporte foram utilizados para outras finalidades que não seja ir e vir ao trabalho. A decisão foi proferida nos autos nº 0010602-34.2020.5.03.0004, patrocinada pelo nosso escritório.

 

A empresa demitiu seu funcionário por justa causa alegando que houve quebra da fidúcia pelo desvio de finalidade do uso do cartão vale-transporte, constatado pelo registro de uso fornecido pela empresa de bilhetagem eletrônico que indicou dois dias em que o cartão foi utilizado em horário em que o empregado estava em serviço.

 

O autor confirmou que naquele mês não estava utilizando o vale-transporte fornecido pela empresa justificando que por estarem no ápice da pandemia do coronavirus, cuja contaminação se dá por vias aéreas, considerando, ainda, a alta taxa de transmissão nos transportes coletivos, e que mesmo sendo pertencente ao grupo de risco, não foi afastado do trabalho e, por isso, resolveu por ir ao trabalho com veículo próprio. Ainda, afirmou que não fez qualquer comunicação à empresa por achar que seria uma situação temporária e que logo voltaria a utilizar o transporte público quando minimizado os riscos de contaminação.

 

O cartão vale-transporte foi utilizado por suas filhas em 2 (dois) dias daquele mês, sem o seu conhecimento.

 

O Juíz Daniel Chein Guimarães, da 4ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte/MG, acolheu a tese do reclamante que alegou ausência de adequação e proporcionalidade da pena de demissão, tampouco atendeu ao pressupostos da gradação das penalidades, haja vista que o empregado nunca sofreu qualquer advertência por má conduta na empresa.

 

Segue trecho da decisão:

 

Desse modo, a utilização episódica dos créditos do cartão de vale-transporte para outras finalidades que não seja ir e vir do trabalho, embora acarrete violação à Lei nº 7.418/85, não tem o condão, per se e tão somente por ato isolado e único (tal como ocorreu no presente caso), de implicar a rescisão oblíqua do pacto laboral, de modo que deveria a Reclamada, inicialmente, ter procedido à aplicação de medidas sócio-pedagógicas prévias, alertando o Autor da sua conduta atentatória ao regramento no ato da assinatura do pedido de concessão – e não, de soslaio, ir monitorando seu comportamento desviado para, de repente, lhe aplicar, desde já, a penalidade máxima.

 

Assim, por corolário, dada à mitigação da extensão do grau de gravidade do referido comportamento autoral, nota-se que a Ré acabou também por não atender ao pressuposto da gradação das penalidades (elemento circunstancial), na medida em que não foram anexadas aos presentes autos quaisquer advertências e/ou suspensões capazes de demonstrar a tentativa da Ré de buscar, de fato, a inserção do empregado no pontual regramento empresário atinente ao correto uso do vale-transporte.

 

A propósito, a própria preposta, em audiência de instrução (ata de ID 1049afc), admitiu (artigo 389/CPC) que “a empresa não aplicou ao reclamante nenhuma medida sociopedagógica em razão do desvio funcional que levou à aplicação da justa causa”, denotando a constatada prematuridade da justa causa aplicada pela Reclamada.

 

Nesse contexto, verifica-se também, por mera decorrência, a ausência do pressuposto da proporcionalidade da pena aplicada, inviabilizando, ainda mais, a conduta empresária, notadamente diante da existência de um passado funcional ileso do Reclamante ao longo dos seus quase 3(três) anos de pacto laboral.

 

Destarte, reputo não atendidos in totum os requisitos atinentes à modalidade de extinção contratual operada, motivo pelo qual nulifico a justa causa aplicada pela Ré (art. 482, "d", da CLT) para, com efeito, convertê-la em dispensa sem justa causa, operada em 09/06/2020.

 

A empresa reclamada interpôs Recurso Ordinário, mas a sentença foi confirmada em segunda instância e já transitou em julgado